quarta-feira, 30 de junho de 2021

Alguns Aspectos do Intercâmbio Cultural Brasil-Rússia

Jorge Scévola de Semenovitch

Durante muitos anos as relações culturais entre o Brasil e a Rússia pouco se desenvolveram. Embora o início dessas relações remonte aos tempos da Independência, foram elas interrompidas ou se mantiveram quase inexistentes ao longo de grande parte do século XX.

Fomos aliados na II Guerra Mundial, mas, a despeito de toda a admiração e respeito que mereceram o povo e os exércitos soviéticos pelo seu extraordinário heroísmo, esforço, coragem, sacrifício e determinação, que levaram à vitória final contra os invasores nazistas, preconceitos e restrições políticas impediram, ao longo de muito tempo, que houvesse maior aproximação entre os nossos povos.

Havia falta de informações e desconhecimento quase completo no Brasil sobre os assuntos culturais russos. Depois de fazer duas viagens a Moscou e Leningrado, enfrentando a possibilidade de ser mal interpretado e de sofrer violências ou perseguições, publiquei, em novembro de 1974, em plena época da repressão, um livro que já vinha escrevendo há muitos anos, sobre a arte, a história e a arquitetura da Rússia, com prefácio do Presidente Juscelino Kubitschek, em que muitos fatos foram narrados pela primeira vez em língua portuguesa e se constituíram em novidade absoluta no Brasil. Não obstante essas e outras iniciativas, persistiam, porém, as maiores dificuldades para o intercâmbio cultural entre os nossos países.

Basta dizer que eram raros os artistas e os grupos musicais, clássicos ou folclóricos, de um país que conseguiam se apresentar no outro. Naquela época da ditadura militar, um programa especial do Balé Bolchói, que foi assistido pela televisão em mais de cem países, no mundo inteiro, foi proibido de passar no Brasil. Discutiu-se até, em 1980, se seria conveniente ou não permitir a transmissão dos Jogos Olímpicos de Moscou no Brasil, se essa apresentação não seria propaganda política! Felizmente tudo isso é História, tudo isso pertence ao passado.

A grandeza dos nossos países, a enorme importância que cada um deles adquiriu entre os povos do mundo, a admiração e o interesse que despertam eles reciprocamente, tudo isso permitiu que também as nossas relações culturais atingissem um nível crescente, com perspectivas de sucesso cada vez maior. É, no entanto, interessante lembrar, para conhecimento de todos, providências, idéias e trabalhos que contribuíram para que fosse alcançado o presente estágio dessas relações.

No início da década de 90, o Cônsul do Consulado Geral da Federação da Rússia no Rio de Janeiro, Prof. Alexander Zhebit, hoje Professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, imaginou uma instituição que tivesse como objetivo estreitar cada vez mais os laços de amizade que envolvem o Brasil e a Rússia e, através dessas relações culturais, difundir a cultura russa no Brasil e a cultura brasileira na Rússia. Levou ele essa idéia ao Prof. Jehovah de Arruda Câmara, pessoa de vastos conhecimentos, muito relacionada nos ambientes cultural, diplomático e universitário, convidando-o para ser o primeiro presidente da nova entidade, que receberia o nome de Instituto Cultural Brasil-Rússia Mikhail Lermontov, em homenagem ao grande poeta, uma das maiores figuras da literatura russa.

Às 11:00h do dia 4 de agosto de 1994, apresentou-se no campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na Praia Vermelha, para centenas de pessoas, o Balé Folclórico Russo “Gzel”, vindo especialmente de Moscou, em homenagem à fundação do Instituto. À noite, no salão nobre da Universidade, com a presença de inúmeras personalidades, membros do corpo diplomático, artistas, políticos, professores, empresários e pessoas da colônia russa, entre elas o engenheiro Alexander Lermontov e família, orgulhosos do seu parentesco com o poeta, criou-se oficialmente o Instituto. A cerimônia foi presidida pelo próprio reitor da Universidade, Prof. Paulo de Alcântara Gomes.

Além de desenvolver outras atividades, o Prof. Jehovah de Arruda Câmara era naquela época, como é até hoje, Assessor para Promoções Internacionais do Fórum de Ciência e Cultura do Palácio Universitário, da Reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde vem realizando programação cultural oriente-ocidente, que inclui eventos relativos à Rússia. Assumiu ele então a Presidência do novo Instituto, juntamente com ilustre Diretoria, ocupando a Secretaria Geral a Sra. Irany Vaz.

Já no ano seguinte, 1995, organizou o Instituto uma viagem a Moscou e São Petersburgo, que se constituiu na primeira visita coletiva de caráter cultural de brasileiros à Rússia, depois da mudança do regime. O grupo era formado por 22 pessoas, entre elas a famosa atriz de teatro, cinema e televisão Neuza Amaral, representando o Prefeito César Maia, que pouco tempo antes havia assinado um decreto considerando São Petersburgo (antiga Petrogrado e Leningrado) como cidade-irmã do Rio de Janeiro.

Estivemos inicialmente em Moscou, onde mantivemos contato com diversas entidades, entre elas a Casa da Amizade, presidida pela primeira mulher que foi ao espaço, a cosmonauta Valentina Terechkova, a Sociedade de Escritores Russos, a Associação de Imprensa, a Redação do Jornal Pravda, a Agência de Notícias TASS e a casa em que viveu o poeta Lermontov, agora transformada em museu. Em São Petersburgo visitamos outras entidades, entre as quais o Conservatório de Música, o Teatro Mariinski e a sede do Balé Kirov. Em ambas as cidades fomos recebidos pelas autoridades da Prefeitura e tivemos a oportunidade de conhecer museus, teatros, palácios, monumentos e locais de grande valor histórico e artístico, procurando sempre divulgar a cultura, a arte e a ciência do Brasil, distribuindo livros, revistas e folhetos, respondendo a inúmeras perguntas e oferecendo variadas informações.

Nos anos que se seguiram, o Instituto desenvolveu diversas atividades, organizando reuniões, promovendo palestras, solenidades, espetáculos de música e de dança e exposições. A professora Noêmia Edelman organizou, em diferentes ocasiões, sob os auspícios do Instituto, do qual era conselheira, apresentações de balé e danças folclóricas russas dos alunos da sua escola.

Foram comemorados os 850º aniversário de Moscou, os 200 anos do nascimento de Púchkin, os 50 anos da morte de Prokofiev e o centenário de Shostakovitch. Entre muitas outras palestras proferidas pelo Prof. Jehovah, merecem destaque a apresentação lítero-musical realizada no Palácio Itamaraty, sob o título “Dos tambores selvagens dos tártaros à grandeza da música russa” e a notável conferência em que estudou a vida e a obra do autor de “Guerra e Paz”, Lev Nikoláievitch Tolstói, na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

O Prof. Jehovah de Arruda Câmara foi condecorado recentemente pela “Medalha da Amizade”, outorgada pela Rússia a apenas dois brasileiros: o Arquiteto Oscar Niemeyer e ele. Tendo verificado que existe no Leblon uma pequena praça, sem denominação oficial, o Instituto solicitou e conseguiu que a Prefeitura do Rio de Janeiro desse a esse espaço urbano o nome de “Praça Poeta Mikhail Lermontov”.

Ao longo dos anos, o Instituto sempre recebeu o maior apoio do Consulado Geral da Federação da Rússia no Rio de Janeiro, com o oferecimento de suas instalações para as reuniões, exposições e festividades e a colaboração em todas as suas atividades. Em São Paulo, no Rio Grande do Sul e em outros Estados, surgiram também associações dedicadas ao desenvolvimento do intercâmbio cultural com a Rússia, empreendendo inúmeras atividades com grande sucesso.

Por iniciativa de Sergio Palamarczuk, Presidente da agência de turismo Slaviantours e representante da América Latina no Congresso Mundial de Conterrâneos Russos, foi criada, em 25 de março de 2008, uma nova entidade, denominada “Russkiy Dom” (Casa Russa), em solenidade presidida pelo Cônsul Geral da Federação da Rússia no Rio de Janeiro, Alexey Kazimírovitch Labetskiy, realizada no próprio Consulado, em festividade que contou com a presença de inúmeros interessados. Já com sede organizada, que servirá também para o Instituto Cultural Brasil-Rússia Mikhail Lermontov, funcionando em um edifício em Copacabana, a nova entidade, que tem como presidente Olga Zyrysky, é uma organização sem fins lucrativos, que trabalhará ativamente para aumentar o intercâmbio cultural, comercial e turístico entre o Brasil e a Rússia.

Nos últimos anos, tem sido cada vez maior na Rússia o interesse pelas novelas brasileiras, especialmente aquelas da Rede Globo de Televisão. Essas obras, que mostram muito da vida, dos costumes, das paisagens, da natureza e da arte do Brasil, se constituem hoje em um dos veículos de maior divulgação cultural do nosso país no Exterior.

A enorme simpatia sempre demonstrada pelo povo brasileiro em relação à literatura russa já não mais se restringe aos grandes escritores do século XIX. Novas edições de autores mais modernos disputam a atenção dos leitores de todo o Brasil. Na Rússia, ao lado de livros de Machado de Assis, as obras de Jorge Amado, Paulo Coelho e outros autores acompanham o interesse dos russos pelo Brasil.

Em janeiro de 2007, em São Paulo, realizou-se pela quarta vez uma temporada de balé russo, enquanto a companhia “Del’Arte” organizava, em conjunto com o Conservatório de Moscou, a semana russa de música pianística, que seria apresentada em abril no Rio de Janeiro.

Em agosto de 2007 aconteceu o Festival de Cinema Russo, organizado pela Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Rússia e pela “Mosfilm” nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo.

Um dos principais projetos de cooperação bilateral no âmbito da cultura continua funcionando com sucesso na cidade de Joinville, no Estado de Santa Catarina. É a primeira escola de balé em atividade no Exterior do “Grande” (Bolchói) Teatro Governamental Acadêmico da Rússia. Atualmente nela estudam pelo método utilizado no “Bolchói” e sob a direção de mestres russos, mais de 300 pessoas, aí incluídas aquelas provenientes dos países vizinhos da América Latina. Em dezembro de 2007, aconteceu a primeira formatura dos seus alunos.

2007 foi considerado no Brasil o “Ano da Língua Russa”, com muitos eventos nas principais cidades do País, inclusive em Palmas, no Estado de Tocantins, onde foi organizada a “Semana da Cultura Russa”.

No ano passado e nos primeiros meses de 2008 aumentou ainda mais a colaboração bilateral entre a Rússia e o Brasil, em assuntos de cultura, arte, turismo, esporte, ciência e instrução. Diversos acordos intergovernamentais foram assinados nos anos recentes para o desenvolvimento de programas de intercâmbio. No momento atual estão sendo estudados novos projetos para os anos 2008 a 2010, que, além da colaboração científico-tecnológica, contemplam especialmente as áreas da cultura, do ensino e do esporte.

Na verdade, embora a Rússia e o Brasil estejam separados por milhares de quilômetros, a afinidade entre povos de nossos países é notável e impressionante. Adoramos música, gostamos de dançar, de contar piadas e de jogar futebol. Dizem que a única diferença é o idioma que falamos, o que nada atrapalha a amizade, a admiração e o respeito que nos unem.

Jorge Scévola de Semenovitch. Alguns aspectos do intercâmbio cultural Brasil-Rússia. In: Brasil - Rússia: história, política, cultura. Alexander Zhebit (org.) Rio de Janeiro: Gramma, 2009.

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